Paulo Cezar S. Ventura

Sou feliz por opção e bem humorado por obrigação

Textos

DIÁRIO DA QUARENTENA IV – 06/04/2020
Hoje começamos a quarta semana de quarentena. E estou bem, ela também. Talvez se eu estivesse sozinho não estaria tão bem. Tenho alguém comigo que me ajuda a viver, a pensar no dia a dia, a trabalhar. Juntos cuidamos do espaço físico, dos amigos e familiares, cozinhamos, lavamos, preparamos nosso dia a dia com carinho. E escrevemos. Agradeço profundamente à pessoa que vive comigo. E começamos a quarentena em 16 de março. Eu com uma gripe/resfriado bem forte, pensei até que estivesse com a Covid-19. Felizmente não, o resfriado melhorou. Ou sim, e também melhorou. Estou tomando meus cuidados. E ela também se resfriou, provavelmente pegou de mim, ou não. O fato é que aqui é muito frio e chove muito. Por isso resfriamos. Não estou achando esta quarentena chata por duas razões: estou bem acompanhado e eu me sinto bem estando quase solitário, quietinho, escrevendo minhas estórias. Só preciso ser um pouco mais criativo e produtivo. Estou trabalhando nisso.
E minha mulher de vez em quando passa em minha frente, sorri e diz algo alegre. Já passou aqui e me deu alguns beijos, agora está na cozinha preparando o almoço. Linda essa mulher. Eu me sinto bem feliz de tê-la aqui comigo. E me lembro de todo o bem que ela me tem feito, ouço com atenção e não me importo com o excesso de palavras e frases com que ela derrama seus pensamentos. Ela precisa falar, então que fale. Eu preciso escutar, então escuto. Isso porque escutar faz parte da formação da sabedoria de um cidadão e eu quero ser um cidadão com sabedoria bastante para também ser ouvido quando for necessário. E assim vamos levando os dias de quarentena obrigatória.
Ontem eu escutei uma frase em um filme, a escrevi para guardar e ela me parece ser daquelas coisas nas quais a gente precisa pensar para chegar naquele estágio de sabedoria que queremos alcançar. A frase é: “as tempestades fazem as raízes das árvores crescerem profundamente”. Ou seja, as árvores crescem suas raízes durante as tempestades para não serem derrubadas por elas, nem pelas tempestades futuras. Então finquemos nossas raízes nesta quarentena de enfrentamento de crise na saúde mundial e sobreviveremos às próximas crises, porque elas virão.
Outra frase, curiosamente dita pelo mesmo personagem, foi: “imortalidade significa viver eternamente com o que fizemos”. Não esquecer nossas ações seria saudável? Seria enriquecedor de nossas histórias? Viver eternamente com aquilo que fizemos, com nossos arrependimentos, com nossas ações, aquelas que mexem com todos, que criam relações e constroem arranjos sociais? É isto? Frase provocativa, essa.
Ainda uma terceira frase que me fez anotar no caderninho que sempre tenho a meu lado, foi: “com o tempo, até os amores viram pó”. Puta que pariu, esta frase é foda. Até os amores viram pó. E para o pó retornaremos.
O dia de hoje também foi tranquilo, de paz. Trabalhei bastante pela manhã, em coisas que podem me ajudar mais à frente. O que mais faço e penso que até faço bem, é escrever. Escrevi meus microcontos, escrevi as crônicas matinais e elas ficaram tão boas que aproveito parte dos assuntos aqui. Porque meus escritos foram bem filosóficos, usando frases que ouvi ontem em um filme. Depois do almoço demos uma caminhada, fui à caixa econômica imprimir uns talões de cheque, mas lá não tinha caixas eletrônicos com essa opção. Valeu a caminhada. Passamos na casa de um amigo para conversar um pouco.
Em casa comecei a ler e ver as notícias horríveis do dia: mais mortos, mais contaminados, e o presidente continua a aprontar das suas. Seu posicionamento não condiz com sua condição de presidente da nação. E seus atos tem seguidores tão mal intencionados quanto ele. Aliás, já nem sei quais são suas intenções, suas ideias são fixas em algumas coisas que não tem nada a ver com poder, com o poder que lhe é conferido. Aí mora o perigo. Ele quer demitir o ministro da saúde, mas a sociedade protege o ministro. E o clima fica tenso. Como um personagem robô me disse uma vez, não se pode salvar os homens deles mesmos. Quando eles seguem um caminho, mesmo que tortuoso e perigoso, nada consegue demovê-los de suas ideias fixas.
Por outro lado, tento manter a minha serenidade. O universo se rende às mentes serenas, sendo elas capazes de transformar o mundo com sua serenidade. Por isso, fico com a minha serenidade. Pois o fruto da árvore pertence à árvore. Minha serenidade me pertence e nada irá tirá-la de minha mente. Que precisa estar saudável. Espero não ter sido, nem vir a ser acometido do novo vírus. Ele poderia me ser mortal, sereno ou não. Parece que estamos em um beco sem saída. De um lado, a ciência e os cientistas tentam achar uma saída saudável para os males do mundo, de outro lado, o senso comum, os pensamentos aleatórios das pessoas os conduzindo cada vez mais para o interior do beco. E os becos nos atrasam na busca do que pode ser a verdade presente no caos. Sim, há verdade no caos. Encontrá-la é o problema. Porque a realidade pode ser, nada mais nada menos, que um somatório de ilusões, algumas ilusões perdidas no mesmo labirinto, no mesmo beco sem saída. Por isso procuro construir um jardim em meu labirinto particular. Construir e manter um jardim nos ajuda a por foco em nossos pensamentos. Então, sigamos em frente.
Paulo Cezar S Ventura
Enviado por Paulo Cezar S Ventura em 07/04/2020
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